Recentemente foi publicado no Michigan Journal of Economics um artigo de Amer Goel, com o intrigante título “Neuroeconomia: a química da racionalidade”. Permito-me, aqui, reproduzir este artigo, tecendo alguns comentários pessoais, quando relevante.
“Poderíamos resolver todos os nossos problemas se fôssemos os seres humanos eficientes e racionais da teoria econômica padrão”, disse Jeremy Grantham, investidor e CEO britânico, ao especular sobre o pressuposto básico de toda teoria econômica moderna: uma sociedade puramente racional. Em um mundo onde todos são racionais, motivados pelo interesse próprio, a magia dos incentivos criaria uma sociedade perfeitamente inovadora e eficiente – embora nem sempre equitativa.
Infelizmente, a neurociência de hoje tende a sugerir que a utopia de Grantham é tão irrealista quanto qualquer outra, porque os humanos muitas vezes não são atores econômicos racionais. De fato, a presença da irracionalidade é tão prevalente na tomada de decisão humana que os teóricos econômicos criaram, recentemente, um novo campo interdisciplinar de economia e psicologia: a economia comportamental. Quando suposições fundamentais sobre a racionalidade econômica se mostram falsas, os modelos econômicos se decompõem rapidamente. A oferta e a demanda se inclinam incorretamente e a incerteza desempenha um papel muito maior. Para corrigir essas suposições em seus modelos, os economistas começaram a explorar a psicologia.
Na vanguarda da economia comportamental está a neuroeconomia, que estende a psicologia à neurologia. Em vez de olhar para os padrões de comportamento humano para interpretar a economia, analisa estruturas e processos cerebrais indiscutíveis e inequívocos para ver como e por que essas decisões são tomadas. Este campo, embora em grande parte experimental e muito novo, pode produzir alguns resultados concretos, definitivos e inovadores sobre como os atores econômicos tomam decisões. A neuroeconomia pode fornecer algumas respostas há muito esperadas para questões sobre racionalidade, provando de uma vez por todas que a economia se baseia em suposições corretas e razoáveis e que os modelos podem prever o comportamento com precisão.
Existem duas aplicações da economia para as quais a análise neural é particularmente útil: tomada de decisão, especialmente sob risco e incerteza; e teoria dos jogos e interações estratégicas. Em ambos os tópicos, os pesquisadores usam ressonância magnética funcional (fMRI) e outras técnicas de imagem para medir a atividade neural em diferentes áreas do cérebro, revelando quais partes estão envolvidas em diferentes atividades econômicas.
A tomada de decisão sob risco e informação imperfeita é um dos temas mais estudados em neuroeconomia. A economia tradicional vê a tomada de decisão sob risco como uma distribuição de probabilidade, onde cada escolha tem um certo valor (positivo para recompensas, negativo para custos). Os atores econômicos avaliam cada decisão e agem sob o risco se o valor esperado for positivo, e se abstêm se for negativo. No entanto, a análise neural colocou essa teoria em cheque.
É provável que o processo de pensamento real envolva emoções relacionadas com ganho e perda, em vez de uma análise objetiva de possíveis resultados. É especialmente dependente da amígdala, a parte do cérebro responsável pelo medo e pela raiva. É a amígdala que cria um fenômeno contrário à análise econômica tradicional: a aversão à perda. A tristeza que as pessoas sentem ao perder R$ 100 é maior do que a felicidade que sentem ao ganhar R$ 100. Isso significa que as pessoas são mais avessas ao risco do que se pensava, porque a perspectiva de perda é pior do que a perspectiva de ganho. As pessoas não aceitarão mais uma aposta justa, mesmo que tenham a mesma chance de ganhar e perder a mesma quantia.
A amígdala é especialmente sensível ao estímulo. Apresenta um comportamento chamado “aprendizagem do medo” pelo qual se lembra de perdas passadas e evita situações semelhantes. Isso significa que algumas pessoas são mais avessas ao risco, dependendo de sua experiência de vida anterior, porque uma experiência ruim do passado as deixa com mais medo de tomar a mesma decisão.
Além disso, a amígdala tende a reagir exageradamente sem informações suficientes. Isso significa que, quando dadas duas decisões iguais, mas uma com informações completas e outra com informações incompletas, a amígdala quase sempre escolherá aquela com mais informações – mesmo que a economia tradicional seja logicamente indiferente entre elas. Tomemos como exemplo o mercado de carros usados. Os compradores de carros usados têm menos informações sobre o carro que estão comprando do que o vendedor, e quase nenhuma informação sobre a honestidade do vendedor, o que os leva a desconfiar do vendedor. Muitas pessoas decidem por causa disso comprar carros usados de amigos e familiares, mesmo que o mesmo carro esteja disponível em uma concessionária. Eles têm mais informações sobre a confiabilidade de seus amigos e familiares, o que deixa seu cérebro mais confortável com a compra.
A segunda aplicação para a qual a neuroeconomia é mais útil é a teoria dos jogos. A teoria dos jogos, ou tomada de decisão estratégica, envolve a tomada de decisões que dependem das decisões de outras pessoas. Como a maioria dos modelos econômicos, ele pressupõe que as pessoas escolherão apenas o que é melhor para si, independentemente dos outros. Estudos recentes da função cerebral mostram que essa suposição não é completamente verdadeira por duas razões principais.
As pessoas às vezes são incapazes de tomar as melhores decisões racionais por si mesmas. Quando estão embriagados, privados de sono ou desorientados, podem tomar uma decisão “irracional”. Em um estudo de ritmos circadianos, por exemplo, os pesquisadores descobriram que quando as pessoas estavam em um estado mental não ideal, elas tomavam decisões piores. Eles também descobriram que essas pessoas cooperariam menos, tornando-as menos confiáveis.
Além disso, as pessoas não são tão egocêntricas quanto a economia tradicional as vê. A oxitocina é um hormônio poderoso que “aumenta durante o vínculo social”. Pode fornecer um incentivo biológico para os jogadores pensarem nas recompensas dos outros junto com as suas próprias, porque eles são recompensados quando se relacionam com o outro jogador. Isso poderia incentivá-los a desistir de suas próprias recompensas, mostrando confiança e cooperação em um esforço para se relacionar. No clássico dilema do prisioneiro, por exemplo, dois prisioneiros traem um ao outro para seu próprio ganho pessoal, em detrimento do outro. Em uma atípica demonstração de otimismo na economia, porém, é possível que esses presos colaborem, mesmo que não seja intencional, pois são biologicamente inclinados a ajudar o próximo. É uma possível demonstração de esperança, fornecendo conhecimento econômico sólido para a presença do altruísmo.
A neuroeconomia é uma abordagem biológica para a tomada de decisões econômicas. A tecnologia de imagem cerebral permitiu que os pesquisadores fornecessem algumas informações mais concretas sobre tópicos definidos de forma ambígua e suas suposições. Mostra-se que as pessoas tendem a ser excessivamente reativas ao risco e à incerteza, e que os atores estratégicos nem sempre são racionais e egoístas. Tudo isso perturba a estrutura econômica tradicional, que depende de uma suposição de “racionalidade” auto-interessada.
A neuroeconomia é nova, mas pode reestruturar completamente a forma como pensamos a economia. Ele vem fornecendo evidências, confirmatórias ou contraditórias, para as principais suposições que sustentam a moderna teoria econômica ocidental e podem aproximar os economistas de uma compreensão completa do comportamento humano. Com o avanço da tecnologia de imagem, a economia está se fundindo ainda mais com as ciências da vida, criando um novo campo interdisciplinar com resultados sem precedentes.
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