Não quero me posicionar contrário ao Metaverso, nem ser chamado de “Cavaleiro do Apocalipse”. Apenas levantar algumas questões para reflexão sobre esta nova tecnologia, com base em alguns conceitos neurocientíficos.
Toda tecnologia é um meio, não um fim em si. Não ela, mas a forma como é utilizada que define o seu resultado. A história tem bons exemplos…
No princípio do século XX, Henri Becquerel, Marie Curie e Pierre Curie descobriram fenômeno da radioatividade. As suas aplicações tiveram enorme influência na história da humanidade, seja pelo mal – como na bomba atômica que devastou as cidades de Hiroshima e Nagasaki em 1945 e foi o “termostato da Guerra Fria” -, mas principalmente pelo bem, como a aplicação de radioisótopos em diagnósticos e tratamentos de câncer.
A invenção do avião revolucionou os transportes – nem precisa listar todos os seus benefícios. Entretanto, menos de cinco anos após o primeiro voo do 14 Bis sobre a Praça de Bagatelle em Paris, a Itália já estava lançando bombas contra a Turquia a partir do novo meio aéreo, transformando o invento de Santos Dumont em uma mortífera máquina de guerra.
Com a tecnologia da informação não é diferente. A internet e as redes sociais, tecnologias de alto impacto positivo sobre toda a humanidade, também são usadas para realização de crimes (pedofilia, ataques hacker, tráfico de armas e drogas, etc.) e promoveram o distanciamento físico das pessoas – é só olhar para o lado em um restaurante e perceber as pessoas interagindo mais com os seus telefones do que com as pessoas que estão ao seu lado na mesa.
O METAVERSO
O termo metaverso foi cunhado por Neal Stempheson em seu romance “Snow Crash”, lançado em 1982. O metaverso pode ser definido como um ambiente digital simulado, que gera uma representação do nosso mundo físico, sem perda de continuidade de tempo e espaço. Em suma, é um mundo paralelo, onde cada pessoa cria o seu avatar e escolhe ser aquilo que quer ser. Além disso, o metaverso é um ambiente ilimitado de socialização, onde avatares se encontram, conversam, interagem, se divertem.
Como diz, Walter Longo, o metaverso promove a migração do “be all you can be” para o “be all you want be”, ou seja do “seja tudo o que você pode ser” para o “seja tudo o que você quer ser”. Você quer ter um corpo mais modelado, uma pele mais clara ou mais escura, um determinado estilo de vida, um jeito diferente de se vestir… bem-vindo ao metaverso!
Evidentemente, o metaverso também acolherá (na verdade já acolhe) empresas que vão ofertar produtos e serviços para suprir as necessidades do seu avatar. Hoje, diversas empresas já vendem produtos virtuais. Nike, Disney, Gucci, The North Face, entre muitas outras, já tem suas lojas no metaverso. Segundo a análise realizada pela Pricewaterhouse Coopers (PwC) o PIB do metaverso pode chegar a 1,5 trilhão de dólares até 2030.
POR QUE AS PESSOAS ENTRAM NO METAVERSO?
Segundo especialistas no assunto, a questão não é se você vai entrar no metaverso, mas quando você fará isso! Mas, o que motiva as pessoas a fazerem isso?
Na palestra “Metaverso: onde você vai viver e trabalhar em breve”, disponível no You Tube, Walter Longo apresenta as seguintes razões:
Como é fácil perceber, estes são motivos que já fazem muitas pessoas passarem boa parte do seu tempo interagindo nas redes sociais. E, com a utilização da realidade aumentada, (AR), realidade virtual (VR), blockchain e a disponibilidade de conexão de alto desempenho (5G), o metaverso se transforma na maneira, nunca antes vista, de atender a estas necessidades!
METAVERSO: UMA FUGA DA REALIDADE?
Aí chego na questão-chave que quero trazer neste artigo: seria esta, uma forma de fugir da realidade? De buscar soluções fáceis para problemas psicológicos? Não seriam estes aspectos passíveis de tratamento? A imersão no mundo virtual não seria uma forma de intensificar ainda mais estes problemas? Buscando cada vez mais refúgio no metaverso, o que acontecerá quando a pessoa se deparar com um sofrimento real ou um problema tangível?
IMPLICAÇÕES NEUROCIENTÍFICAS DO METAVERSO
Uma primeira informação importante: nosso cérebro não distingue o que é real do que é imaginário. Vide quando nos emocionamos ao ver uma cena de um filme, mesmo tendo a consciência de que ele é uma obra de ficção. O impacto do virtual sobre nosso cérebro é idêntico ao real.
O mundo virtual proporciona satisfações constantes e facilitadoras que interferem no sistema límbico do cérebro, relacionado às emoções, alterando também o lobo frontal, região da prevenção e imaginação de possibilidades. Estas regiões também estão relacionadas com a imaginação agradável do futuro, que libera dopamina, o neurotransmissor que promove a sensação de prazer.
A liberação constante de dopamina faz com que o cérebro busque reproduzir a mesma condição para liberar mais dopamina, mais dopamina e mais dopamina. O que acontece é que a mesma conquista não libera a mesma intensidade do neurotransmissor, precisando de novas e diferentes conquistas para a liberação. Isso se reflete em ansiedade. O cérebro sujeito a um excesso de ansiedade, libera cortisol – o hormônio do estresse – que tem um efeito “corrosivo” sobre o nosso organismo. A exposição contínua ao cortisol, em períodos de estresse crônico, pode levar à disfunção e à morte dos neurônios do hipocampo, com sérios prejuízos à memória e outros processos cerebrais.
O que acabo de descrever, não por mera coincidência, é exatamente o processo que desencadeia a dependência em drogas! A Dra. Anna Lembke, em seu livro “Nação Dopamina” coloca que o mundo hoje oferece um vasto complemento de drogas digitais, acessíveis em plataformas que aumentam exponencialmente sua potência e disponibilidade. Isto inclui pornografia online, jogos de azar e vídeo games, só para citar alguns. Além disso, a própria tecnologia é adictiva (viciante), com suas luzes pulsantes, seu estardalhaço musical, seu conteúdo ilimitado e a promessa, com uma participação contínua, de recompensas cada vez maiores. E o metaverso proporcionará tudo isso a um preço cada vez mais acessível a um número exponencial de pessoas.
Essas condições podem chegar ao ponto apresentado pelo Dr. Fabiano de Abreu, que teoriza que os sintomas causados pela imersão excessiva no metaverso, resultará a longo prazo não só em alterações psicológicas, mas também em alteração genética, que pode até mesmo interferir na evolução da espécie humana.
ALGUMA SEMELHANÇA COM MATRIX?
Se, porventura, alguém não conhece, Matrix é um filme de 1999 cuja história gira em torno de um mundo alternativo, onde os seres humanos sobrevivem em uma realidade virtual e são usados como fonte de recursos para produção de energia. Matrix é esse sistema artificial de inteligência que manipula a mente dos seres humanos. Um grupo de humanos então resolve se rebelar para pôr fim ao controle que as máquinas exercem sobre suas vidas. O grupo recruta Neo, que tem como missão enfrentar Matrix e assim conduzir todos os seres humanos de volta à liberdade e à realidade. O filme tornou-se uma franquia, com a sequência de Matrix Reloaded (2003), Matrix Revolutions (2003) e Matrix Resurrections (2021).
Com a ascensão do metaverso, as discussões filosóficas sobre a natureza da realidade e a hipótese de que a vida na Terra não passa de uma simulação, voltam à tona, como destaca o cientista cognitivo e futurista, Diogo Cortiz. Ele ressalta que embora o metaverso tenha renovado o debate sobre a possibilidade do que entendemos por realidade seja um ambiente programado por uma inteligência muito mais avançada, esse postulado não é novo e atravessa os debates filosóficos.
Em 2003, o filósofo inglês, Nick Bostrom, aventou a “hipótese da simulação”, apresentando um argumento estatístico para afirmar que a probabilidade de que estejamos vivendo em um ambiente programado por uma inteligência superior é altíssimo e não teríamos nem como percebê-lo nem como tentar refutá-lo. A tese de Bostrom se sustenta a partir da lógica de que qualquer civilização suficientemente evoluída seria capaz de desenvolver um poder computacional enorme. Mesmo que uma parcela minúscula da população tivesse interesse em criar “simulações da realidade”, o número de indivíduos “simulados” rapidamente excederia o número de indivíduos “reais”.
Mesmo que não estejamos em Matrix como apresentado no filme ou teorizado por filósofos, a tecnologia aliada ao poder econômico pode levar a um controle dos nossos destinos e ações. Como diz o Dr. Miguel Nicolelis, médico e neurocientista brasileiro, considerado um dos vinte maiores cientistas em sua área pela revista Scientific American, “Big Tech + Big Money = Big Control”. Ele se refere especificamente aos recursos e investimentos feitos por gigantes como Google e Meta (leia-se: Facebook, Instagram, WhatsApp, etc…) no metaverso.
O QUE FAZER
Hoje, já percebemos que a falta de equilíbrio entre a vida offline e online em smartphones já assola a maioria dos jovens (e me arrisco a dizer que um grande número de pessoas mais maduras também)! Um estudo publicado em março de 2021 no periódico Frontiers in Psychiatry revelou que quase 40% dos universitários apresentam vício em celular. Logo, o problema de ruptura entre a realidade e o mundo virtual já existe hoje, mesmo sem a imersão que vamos vivenciar com o metaverso, o que pode ajudar na potencialização desse vício.
Na minha opinião, EQUILÍBRIO é a palavra-chave. Não estou condenando as experiências digitais, mesmo porque a tecnologia está aí para ser usada para facilitar a nossa vida. Mas deve ser usada de forma consciente! O autoconhecimento e autocontrole devem ser desenvolvidos para que não sejamos abduzidos pelo metaverso. Algumas pessoas (a escala é que poderá assustar!) terão problemas e precisarão de ajuda. Talvez um MA (Metavérsicos Anônimos) logo precise ser criado.
Por ora, vale atentar a algumas questões já levantadas pelo Dr. Fabiano de Abreu: Enquanto seres humanos, qual é o nosso grau de preparação para sermos mais do que aquilo que realmente somos? Qual o nosso grau de preparação para sabermos conviver de forma pacífica com o nosso eu real e o nosso eu virtual? Estamos preparados para que a tecnologia não controle nossas vidas?
A TÍTULO DE CONCLUSÃO
O tema não se esgota aqui. Ao contrário, está apenas sendo mostrado a ponta do iceberg.
Não há dúvidas que o metaverso tem grande potencial de trazer evoluções importantes para a educação, a medicina, a produtividade das empresas, a redução do impacto ambiental, dentre tantos outros campos de utilização. Entretanto, como nos exemplos históricos apresentado no início deste artigo, cuidados devem ser tomados para a forma e intensidade de sua utilização.
É fundamental que sejam definidos limites éticos, morais e de governança para que os excessos não se ampliem e venham causar desvios na evolução da humanidade. Cabe a cada um de nós, que nos preparemos mentalmente para o uso destas tecnologias.
Prof. Álvaro Flores